"A experiência comum de numerosos países é que o ensino superior não é mais uma pequena parcela especializada ou esotérica da vida de um país. Ele se encontra no próprio coração das atividades da sociedade, é um elemento essencial do bem-estar econômico de um país ou região, um parceiro estratégico do setor do comercio e da Indústria, dos poderes públicos, assim como das organizações internacionais". (Unesco, O Ensino Superior no Século XXI, 1998.)O filme “Repórter de Guerra” mostra o conflito do apartheid na África do Sul sob a ótica de fotógrafos ganhadores do prêmio Pulitzer. Um deles, Kevin Carter, fotografou no sul do Sudão uma criança morrendo e um urubu na espreita esperando a "refeição”. A foto causou grande comoção, tendo o fotógrafo sido acusado de se preocupar apenas com o registro do fato e não com a vida da criança. A forte pressão popular provocou um final trágico e real — o suicídio do fotógrafo. Lembrei-me do filme após ter participado do III Encontro Universia de Reitores – realizado no final de julho, na cidade do Rio de Janeiro, sob o patrocínio do Banco Santander – porque, enquanto Carter era obcecado pela fotografia, seu objetivo único, o evento, com múltiplas visões, ficou sem foco... Após dois dias de muitos discursos e muitas palavras, com a presença de mais de mil reitores do mundo ibero-americano, foram estabelecidos os dez desafios que as universidades deverão enfrentar nos próximos anos. São eles: 1) consolidação do Espaço Ibero-americano do Conhecimento (EIC); 2) responsabilidade social e ambiental da universidade; 3) melhoria da informação sobre as universidades ibero-americanas; 4) atenção às novas expectativas dos estudantes; 5) formação continuada dos professores e o fortalecimento dos recursos docentes; 6) garantia de qualidade do ensino e sua adequação às necessidades sociais; 7) melhoria da qualidade da pesquisa, a transferência de seus resultados e a inovação; 8) ampliação da internacionalização e das iniciativas de mobilidade; 9) utilização plena das tecnologias digitais e 10) adaptação a novos esquemas de organização, governança e financiamento. Os reitores se comprometeram em divulgar as reflexões contidas na “Carta Universia Rio 2014” aos diferentes setores representativos de seus países — comunidade acadêmica, governos, administrações públicas, associações empresariais e atores sociais — com o propósito de compartilhar responsabilidades na execução das principais medidas. Além disso, assumiram o compromisso de desenvolver ações que visem prioritariamente estabelecer os alicerces de uma sociedade baseada no conhecimento, no empreendedorismo e na inovação. A nosso ver, faltou meta mais concreta. Não é problema da universidade salvar o planeta, o meio ambiente, constituir uma sociedade mais justa e consolidar o espaço cultural ibero-americano. É missão da universidade formar o aluno com base não só em competências de sua respectiva área profissional como também em valores pessoais — solidariedade, honradez, sabedoria, liberdade, amizade, amor, verdade, prudência, responsabilidade, igualdade, fidelidade –e assim torná-lo um cidadão pleno e preocupado com o espaço ao seu redor, com seu país, com o mundo. No que se refere à formação com base em valores (leia mais), há inúmeros e bons exemplos. Permito-me citar um fato mostrado pela TV que me impressionou durante a Copa 2014: a forma como se comportaram nos estádios os torcedores japoneses, de um lado, e os sul-americanos e brasileiros, de outro, ao final de cada jogo. Enquanto esses últimos deixavam lixo e sujeira esparramados pelo chão, os japoneses recolhiam em sacos plásticos o material descartado, demonstrando um costume aprendido na escola e fortalecido na família. Num mundo onde o conhecimento é a matéria prima mais demandada e o talento individual é o bem mais procurado, todos reconhecem que o capital humano representa o condicionante mais importante do desenvolvimento econômico e social. Por isso, os governos e as famílias devem investir na educação por toda a vida. Sabe-se que a base sólida e o alicerce fundamental de uma boa educação começam com um Ensino Fundamental de qualidade, sem o qual nada pode ser feito. E o sucesso de tudo depende basicamente do aluno que quer aprender e do professor que deseja ensinar. Além disso, aprende-se em qualquer lugar por meio de uma boa mensagem e com os recursos disponíveis, desde que haja boa intenção. A educação ajuda a compreender a importância do todo, enfim, do mundo que nos cerca. A educação é permanente e o profissionalismo, transitório. É preciso encontrar o equilíbrio entre tais dimensões, aspecto que vem sendo objeto de estudos e pesquisas. Nesse sentido, Delors (1999)[1] observa que a universidade deverá ser o lugar do aprendizado, da fonte de saber, da cultura e do estudo aberto a todos, da cooperação internacional, da produção e da socialização do conhecimento e do acompanhamento da evolução do mercado de trabalho. Mas qual a realidade atual? Em plena era do conhecimento, a universidade parece viver uma “crise de identidade”. Ao invés da geração de conhecimento novo, se limita, na grande maioria dos casos, à mera transmissão do conhecimento. Ao reduzir seu papel e contribuição à disseminação do conhecimento, a universidade assume papel coadjuvante e deixa de ser o principal agente impulsionador do desenvolvimento da economia e da sociedade. Para Dias Sobrinho (1999, p. 25)[2], "o futuro de uma nação se projeta cada vez mais, tendo como base seu capital educativo. Ele é o principal motor das transformações e deve ser o instrumento da compreensão das mudanças". Para o autor, “as profissões se alteram com muita velocidade, por esta razão devem acompanhar as transformações da sociedade. Os alunos necessitam ter currículos que não sejam estatísticos e disciplinas diretamente relacionadas com os conteúdos e métodos exigidos pela realidade que se modifica a todo o momento". A universidade deve, portanto, buscar os caminhos para se atualizar e para oferecer uma formação adequada aos estudantes e aos professores. Com isso, percebe-se a complexidade dessas organizações, bem como todos os desafios que enfrentam. Em síntese, há um mundo complexo, ciente do significado de construir uma sociedade mais equânime e autossustentável, na qual as pessoas possam se realizar e ter uma melhor qualidade de vida. Observa-se, no entanto, que as mudanças nas demandas dos jovens não se refletem no mundo acadêmico que, por sua vez, se mostra incapaz de reciclar-se e de fazer frente aos novos tempos, mesmo com as grandes novidades das tecnologias da informação. Constata-se, de um lado, que o sistema universitário, criado para transmitir o futuro, ficou estagnado ao passado; que a escola estacionou e, por mais paradoxal que possa ser, ficou presa na metodologia baseada nas máquinas. Constata-se, de outro, que a capacidade de pensar de maneira abrangente será mais valorizada do que a aquisição de conhecimento especializado; que o professor ocupará sempre o seu espaço, porém necessariamente apoiado por recursos tecnológicos e de outras técnicas para melhor desempenhar o seu papel. Constata-se, finalmente, que o estudante nasceu com um celular na mão, que domina o acesso à informação e que não terá motivação para ouvir quem não lhe transmita conhecimentos novos. A informação, o conhecimento, as experiências científicas e empresariais não têm mais como suporte a logística da geografia ou um determinado horário para apreender. A “Rede www”, está consolidando tudo. Os computadores, desde os mais potentes aos smartphones mais amigáveis, individualmente ou em rede, continuarão a ser desenvolvidos por cérebros cada vez mais privilegiados, para apoiar a democratização do conhecimento. As redes sociais como estratégias de aprendizagem serão aproveitadas para discutir problemas e propor soluções. Cada vez mais as redes influenciarão as decisões políticas. Pela primeira vez na história da humanidade, a informação está acessível por apenas um clique. A preparação de gestores que dominam as demandas educacionais, em todos os níveis, para atuar em um mundo no qual a inovação está cada vez mais relacionada com as tecnologias digitais será imprescindível, pois a realidade será a da globalização dos mercados e dos novos cenários de competências ligadas às inovações. A convergência dessas observações, como conclusão, mostra a evolução mundial em todos os setores ocupados pelo homem, a busca de talentos para a continuidade do desenvolvimento e a necessidade da adequação do sistema universitário às novas demandas. A informação e a tecnologia estão disponíveis ao poder da mente e ao toque dos dedos, mas o processo de conhecimento e aprendizagem depende do aluno e do professor, pelo meio que for, “cara a cara” ou a distância. Todos os esforços precisam ser organizados para que cada um faça da melhor forma a sua parte e se adaptem às novas circunstâncias para que no final de tudo resultem no bem estar de todos e da humanidade. [1] Delors, J. (Coord) (1999). Educação: um tesouro a descobrir: relatório para a Unesco da Comisão Internacional sobre Educação para o século XXI. Porto: Edições Asa. [2] DIAS SOBRINHO, José. Avaliação e privatização do ensino superior. In: TRINDADE, Hélgio (Org.). Universidade em ruínas: na república dos professores. Porto Alegre: Vozes, p. 61-71, 1999.